Arquidiocese de Braga -
25 setembro 2016
A alegria do amor - 21
Carlos Nuno Salgado Vaz
O laborioso caminho do discernimento.
Quer na «Alegria do Evangelho», quer na «Alegria do Amor», o papa Francisco convida-nos a uma atitude que dá muito trabalho, mas que é a única que permite ajudar as pessoas em dificuldade a abrir-se à graça de Deus que nunca deixa de ser derramada sobre quem, com humildade, verdade e sinceridade procura estar em paz com a sua consciência. É o discernimento pessoal e pastoral.
Eucação dos filhos
Francisco lembra-nos: «uma coisa é uma segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com fidelidade comprovada, dedicação generosa, compromisso cristão, consciência da irregularidade da situação e grande dificuldade para voltar atrás sem sentir, em consciência que cairia em novas culpas».
Aliás, a Igreja reconhece a existência de situações em que «o homem e a mulher, por motivos sérios – como, por exemplo, a educação dos filhos – não se podem separar». E aqui está a citar João Paulo II na «Familiaris consortio».
E diz: «Nestas situações, muitos, conhecendo e aceitando a possibilidade de conviver como ‘irmão e irmã’ que a Igreja lhes oferece, assinalam que, se faltam algumas expressões de intimidade, ‘não raro se põe em risco a fidelidade e se compromete o bem da prole’». Cita, a propósito, o número 51 da «Gaudium et Spes» do Vaticano II.
Não há receitas simples
Há também o caso daqueles que fizeram grandes esforços para salvar o primeiro matrimónio e sofreram o abandono injusto, ou o caso daqueles que contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjetivamente certos em consciência de que o precedente matrimónio, irremediavelmente destruído, nunca tinha sido válido.
São casos muito diferentes de uma nova união que vem de um divórcio recente, com o sofrimento causado e a confusão que afeta os filhos e famílias inteiras, ou da situação de alguém que, repetidamente, faltou aos seus compromissos familiares.
Naturalmente que a convivência de divorciados recasados civilmente nunca é nem será o ideal que o Evangelho propõe para o matrimónio e a família. Não há receitas simples.
O discernimento dos pastores deve ser feito distinguindo adequadamente as situações. E sabemos que não existem «receitas simples» (número 298).
Integração na Igreja
A atitude para com os divorciados que voltaram a casar civilmente deve ser a da integração, pois esta é a chave do seu acompanhamento pastoral, que lhes fará saber que não só pertencem ao Corpo de Cristo que é a Igreja, mas podem também ter disso mesmo uma experiência feliz e fecunda.
«São batizados, são irmãos e irmãs, o Espírito Santo derrama neles dons e carismas para o bem de todos. A sua participação pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais (…) pois não só não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e amadurecer como membros vivos da Igreja, sentindo-a como uma mãe que sempre os acolhe, cuida afetuosamente deles e encoraja-os no caminho da vida e do Evangelho. Esta integração é necessária também para o cuidado e a educação cristã dos seus filhos, que devem ser considerados o elemento mais importante» (299).
Discernimento pessoal e pastoral
Dada esta variedade de situações, não se devia esperar do Sínodo ou da Exortação do papa Francisco «uma normativa geral de tipo canónico, aplicável a todos os casos. É possível apenas um novo encorajamento a um responsável discernimento pessoal e pastoral dos casos particulares (…) que deve reconhecer que «as consequências ou efeitos de uma norma não devem necessariamente ser sempre os mesmos».
É obrigação dos sacerdotes «acompanhar as pessoas interessadas pelo caminho do discernimento segundo a doutrina da Igreja e as orientações do bispo. Neste processo, será útil fazer um exame de consciência, através de momentos de reflexão e arrependimento. (…)
Uma reflexão sincera pode reforçar a confiança na misericórdia de Deus que não é negada a ninguém. (…)
O diálogo com o sacerdote, no foro interno, concorre para a formação de um juízo correto sobre aquilo que dificulta a possibilidade de uma participação mais plena na vida da Igreja e sobre os passos que a podem favorecer e fazer crescer.
Uma vez que na própria lei não há gradualidade, este discernimento não pode jamais prescindir das exigências evangélicas de verdade e caridade propostas pela Igreja. Para que isso aconteça, devem garantir-se as necessárias condições de humildade, privacidade, amor à Igreja e à sua doutrina, na busca sincera da vontade de Deus e no desejo de chegar a uma resposta mais perfeita à mesma. (…)
Quando uma pessoa responsável e discreta, que não pretende colocar os seus desejos acima do bem comum da Igreja, se encontra com um pastor que sabe reconhecer a seriedade da questão que tem entre mãos, evita-se o risco de que um certo discernimento leve a pensar que a Igreja sustente uma moral dupla» (300).
Não se pode correr e sobrevoar sobre estas considerações. A norma universal rígida e impessoal poderia dar muito jeito para evitar problemas, mas não seria realmente evangélica.
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