Arquidiocese de Braga -
11 julho 2018
Vaticano dá início a esforço de recuperação de igrejas abandonadas
DACS
Em tempo de progresso do secularismo, são cada vez mais os lugares de culto católicos que sofrem com pouca frequência e dificuldades financeiras. O Vaticano lançou agora um congresso internacional para Novembro deste ano em que vai procurar soluções para
Todos estamos familizarizados com a secularização que tem varrido o Ocidente, alienando muitos da fé católica e deixando bancos das igrejas vazios no seu rasto. O que é menos debatido é o destino das igrejas, paróquias e basílicas que enfrentam dificuldades económicas e pouca frequência.
O Vaticano dispôs-se agora a recuperar estes locais religiosos esquecidos e os tesouros astísticos e sagrados que contêm ao emitir directrizes em como endereçar o seu arranjo.
“Não se pode entrar indiferentemente num espaço que ainda respira o incenso e preserva o eco dos cânticos litúrgicos.”
Cardeal Gianfranco Ravasi
“É um fenómeno cultural e pastoral de grande importância,” disse o Cardeal Gianfranco Ravasi, director do Pontifício Conselho para a Cultura, numa conferência de imprensa realizada esta semana. “Vê-se isso no padre que está em dificuldades e não sabe o que fazer, criando lojas de gelados, garagens, bares, ou até pior,” acrescentou.
O cardeal referia-se a um caso na República Checa em que uma igreja católica foi transformada numa discoteca, mas há muitos outros. A igreja Dominicana de Selexyz, na Holanda, alberga hoje uma biblioteca e um café. A igreja de San Lorenzo em Veneza, Itália, é agora uma sala de concertos. E a igreja de Santa Bárbara em Llanera, Espanha, foi restaurada com arte psicadélica para acolher os praticantes de skateboarding.
Enquanto nestes casos as igrejas mantiveram pelo menos o poder de unir a comunidade e juntar as pessoas, em muitos outros, os espaços espirituais são deixados ao abandono ou esquecidos.
É por isso que o Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano, a Conferência Episcopal Italiana e a Universidade Pontifícia Gregoriana em Roma pediram um congresso internacional, nos dias 29 e 30 de Novembro, chamado “Deus já não vive aqui? Dispensa de lugares de culto e gestão integrada de bens eclesiásticos culturais,” que terá lugar no campus da universidade.
Para alargar o debate, os organizadores lançaram um concurso fotográfico, nas redes sociais, com a hashtag #nolongerchurches, que convida os participantes a documentar “mais do que os casos de abandono, os da reutilização virtuosa” de antigas igrejas.
Os trabalhos do congresso vão ser inaugurados pelo padre Nuno da Silva Gonçalves, jesuíta português, reitor da Universidade Pontifícia Gregoriana, e pelo cardeal Gianfranco Ravasi.
O programa inclui uma intervenção da direc tora do Secretariado Nacional dos Bens Culturais da Igreja, Sandra Costa Saldanha, sobre a experiência portuguesa na “formação e compromisso com a comunidade”. Um exemplo português de reutilização de um lugar de culto é o da antiga Igreja de São Julião, em Lisboa, que hoje é propriedade do Banco de Portugal e alberga o Museu do Dinheiro.
Dada a massiva extensão das propriedades da Igreja à volta do mundo, não é surpresa que não exista um número exacto de igrejas em dificuldades ou abandono. A secularização, uma queda nas vocações e má gestão económica têm levado a dificuldades significativas para muitas paróquias à volta do mundo, e os oradores da apresentação do congresso à imprensa declararam que o problema existe em muitos países.
“Temos registado um interesse extraordinário por bispos de vários países,” afirmou o Cardeal Ravasi. O congresso tem como objectivo apresentar directrizes sobre a eliminação e reutilização do património da igreja. Nas próximas semanas, os delegados das conferências episcopais da Europa, América do Norte e Oceânia irão discutir e aprovar o documento.
Ravasi apontou para múltiplos factores que afectam as questões das igrejas sem uso.
“A primeira é histórica, porque a requisição de propriedade da Igreja sempre aconteceu, basta pensar em Napoleão e depois no Renascimento,” disse.
Em Itália, por exemplo, algumas das igrejas mais queridas, tanto por nativos como por turistas, na verdade não pertencem à Igreja Católica mas foram apreendidas pelo Estado Italiano no século XIX.
É na verdade um fundo de locais de culto no Ministério do Interior da Itália quem controla a Basílica de Santa Cruz em Florença, assim como as basílicas menores de Santa Maria sobre Minerva e de Santo André do Vale, em Roma. No total, este fundo gere mais de 820 igrejas no país em forma de bota.
Ravasi afirmou que a questão à volta de igrejas em condições precárias ou vazias também tem um aspecto geográfico, dado que afecta países com diferentes problemas e desafios mas, acima de tudo, é uma questão que se joga no contexto cultural e social.
“O fenómeno é um dos espelhos do declínio da prática religiosa e do clero, do progresso da secularização,” disse o chefe da cultura no Vaticano.
A questão é especialmente relevante em Itália, acrescentou Ravasi, simplesmente devido ao número de igrejas existentes. Existe uma constelação de mais de 100 mil igrejas em Itália, apesar de apenas 65 mil continuarem sob gestão episcopal. As outras são geridas ou pelo fundo do Ministério do Interior ou são detidas por entidades privadas.
Os recentes terramotos no país causaram também a destruição ou danos em cerca de 13 mil igrejas.
O problema precisa de ser lidado com uma “abordagem pastoral e baseada em valores,” disse o Cardeal Nunzio Galantino, presidente da conferência episcopal italiana e recentemente escolhido pelo Papa Francisco para dirigir a Administração do Património da Sé Apostólica, o departamento que gere o portfólio de investimentos do Vaticano e as suas propriedades imobiliárias – assim como servem como a agência de aquisições e recrutamento do Vaticano.
Os principais problemas surgem quando “as igrejas já não pertencem à diocese ou paróquia, mas são entregues a entidades privadas que fazem com elas o que bem entendem,” acrescentou Galantino.
Encontrar soluções não é fácil, de acordo com porta-vozes do Vaticano. A secularização no Ocidente não mostra sinais de abrandamento e, enquanto as vocações podem continuar a aumentar em algumas partes do mundo, a maioria da Europa tem visto o número de presbíteros a decair.
Aplicar rigor financeiro parece ser a melhor solução a curto prazo, mas Galantino tem as suas reservas. Sugerir que os visitantes paguem um bilhete para visitar igrejas – especialmente as que têm importância histórica e artística – tem originado ganhos escassos e muitas críticas. Mas o interesse na comunidade para ajudar e proteger estes locais religiosos continua a ser forte.
“Em muitos casos a igreja, mesmo não sendo muito frequentada, representa uma forte ligação com a memória dos lugares, com a história da comunidade, e essas transformações comerciais em que a memória de tudo isto é completamente perdida normalmente inspiram protestos das comunidades locais,” afirmou Don Valerio Pennasso, director do departamento nacional de bens culturais eclesiásticos da conferência episcopal italiana.
Galantino acrescentou que muitas vezes “tem havido petições de leigos que se queixam e têm receio de uma eventual destruição devido à falta de protecção” de lugares de culto. Ou seja, enquanto as directrizes podem ser uma ferramenta útil em evitar a transformação da capela local num cabeleireiro, são os leigos que parecem ser instrumentais na protecção dos espaços religiosos à volta do mundo.
Há quem continue a construir igrejas, na esperança de que a beleza seja a chamada que leva o rebanho de volta aos bancos das igrejas. O Pontifício Conselho para a Cultura patrocinou recentemente dez pequenas capelas criadas por ilustres arquitectos de todo o mundo, exibidas na Bienal de Arquitectura de Veneza.
A esperança de Ravasi é que estes locais inspirem sensibilidade em relação ao sagrado, e evitem a ideia que os lugares de culto vão ser usados numa forma não alinhada com o seu propósito inicial.
“Não se pode entrar indiferentemente num espaço que ainda respira o incenso e preserva o eco dos cânticos litúrgicos,” afirmou.
Fonte: Crux
Adaptação de DACS
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