Arquidiocese de Braga -

11 fevereiro 2021

"Cuidar do Próximo"

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Arquidiocese de Braga

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Mensagem para a Quaresma do Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga.

 

“Caminhar juntos”, interpretação linear de uma Igreja Sinodal proposta pelo nosso Programa Pastoral, não é a mera atitude de uma camaradagem alegre. Tem muitos pressupostos e concretizações bem definidas. A Quaresma acontece no centro de uma conversão pastoral a operar na vida das pessoas e das comunidades. É tempo favorável para que a renovação não seja adiada nos propósitos e nas programações. Lado a lado, com vidas interligadas, sabendo que ninguém se salva sozinho, proponho que seja tempo para cuidarmos do próximo, humanizando os cuidados que temos, ou devemos ter, uns para com os outros.

 

1. Propusemo-nos viver intensamente a caridade, redescobrindo Deus como amor. Este amor dará, por sua vez, um rosto sinodal à Igreja, na consciência de que somos um único corpo, juntos na vida e no discernimento do caminho a seguir. Sugiro, por isso, que se acompanhe e faça a caminhada quaresmal preparada pelo nosso Departamento Arquidiocesano para a Liturgia. O tema central desta caminhada é a caridade operativa, que se concretiza não só nas obras de misericórdia mas também no cuidado, atenção e escuta do outro. As diversas sugestões de filmes e livros poderão ajudar-nos a moldar o coração. Esta consciencialização de que a paternidade de Deus nos leva a sonhar e a trabalhar por uma fraternidade universal exige que a solidariedade seja efectiva, imitando Cristo, o Bom Samaritano, para que a Igreja se torne um verdadeiro “Hospital de Deus” que a todos acolhe e a cada um testemunha solicitude concreta.

 

2. O Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, sugeriu um itinerário que gostaria que fosse trabalhado durante estes 40 dias quaresmais. Neste mundo de fragmentação e de indiferença, vamos reconhecer, como prioridade, o dever de fomentar a cultura do cuidado. A pandemia não permite programas muito elaborados. A responsabilidade e as incertezas parecem inibir-nos, reduzindo a vida das comunidades aos mínimos. O Santo Padre refere que, neste mar agitado, necessitamos de uma bússola e que esta consiste na gramática do cuidado. Não podemos perder o norte e acreditamos que é possível, no meio de todas as contingências, dar serenidade e mostrar que não podemos adiar a construção de um mundo mais humano.

 

3. Para que esta aventura quaresmal se torne viável e efectiva, necessitamos de, como condição prévia a tudo o resto, cuidar de nós mesmos, deixando-nos possuir e orientar pela Palavra de Deus, meditando-a e permitindo que ela nos vá moldando em gestos de verdadeira auto-estima. Necessitamos de uma visão positiva sobre aquilo que somos e o que a vida nos reserva. É tempo de ultrapassar tantas lamentações que não conduzem a nada. Valorizemos o que somos e trabalhemos para sermos melhores. 

 

4. Cuidando de nós mesmos, através da Palavra e da oração, prosseguimos a nossa caminhada cuidando dos outros e da natureza. O que intuímos interiormente transpomo-lo para as relações, sabendo que o grande problema da sociedade moderna reside no paradigma da convivência social que adoptamos. Não precisamos de referir que temos prazer de saber curiosidades da vida alheia, partilhada acriticamente, e que, pelo contrário, estamos muito longe de um testemunho de proximidade, no sentido que Cristo nos indicou, e que a parábola do Samaritano nos esclarece. O homem ferido da parábola tem muitos rostos. O nosso coração terá de ser tocado por situações de sofrimento e de injustiça que proliferam ao nosso lado, assim como em tantos contextos do planeta.

São muitas as vulnerabilidades, fragilidades e pobrezas. Cuidar dos doentes, dos idosos, do sem abrigo, das vítimas da solidão e isolamento, das situações de violência doméstica, dos migrantes, dos desempregados… Quando estamos envolvidos pela caridade, sabemos que esta lista está incompleta e que já ouvimos estas coisas muitas vezes. Somos especialistas nas considerações e na abordagem dos problemas. Importa agir, cuidando efectivamente, começando por casa, chegando ao ambiente laboral, mergulhando no seio da comunidade, arriscando olhar para a sociedade que nos rodeia. Que poderei assumir concretamente para cuidar dos outros?

 

5. Nos tempos que correm, não necessitamos de grandes coisas. Basta cuidar através das coisas pequenas, com muita humildade e no momento presente. Valem as coisas materiais, renunciando para poder partilhar, e as espirituais como maravilhosos sinais de presença. O contributo penitencial ou a renúncia quaresmal ajudam-nos a ir para além das boas intenções e a enveredar pelo testemunho, pois a Igreja Arquidiocesana também deve cuidar da pobreza, através do Fundo Partilhar com Esperança e das necessidades básicas da comunidade de Santa Cecília de Ocua, na diocese de Pemba, em Moçambique.

A parábola do Samaritano, com que Cristo explica ao doutor da lei quem era o próximo, termina com um convite à imitação. “Vai e faz o mesmo” (Lc 10, 30). Não se trata de uma simples meditação pia com considerações teóricas interessantes. Ela deve comprometer e o tempo da Quaresma deverá ser aproveitado para ver o que este “fazer o mesmo” implica. Cada um deverá questionar-se, as comunidades deverão discernir sinodalmente sobre os verdadeiros conteúdos desta parábola, os movimentos poderão sentir necessidade de uma nova vitalidade criativa. Vamos cuidar do próximo. Não limitemos este compromisso ao tempo da Quaresma. A Páscoa significa o testemunho de um Cristo Vivo, visível no amor com que cuidamos dos outros. Não desperdicemos esta oportunidade! Pedi coisas conhecidas. Estarão a ser vividas?

 † Jorge Ortiga, 

Arcebispo Primaz