Arquidiocese de Braga -

19 maio 2021

Ex-comando da Marinha é agora Abade Trapista

Fotografia Arnaud Finistre

DACS com La Croix International

Abade Godefroy de Acey explica como passou da vida militar para a vida monástica.

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Os Trapistas da Abadia de Notre-Dame d'Acey, no leste da França, já não contam apenas com protecção divina após a recente eleição abacial da comunidade. Os 28 monges elegeram, em Março passado, Dom Godefroy Raguenet De Saint-Albin, um ex-comando da marinha, para ser o director espiritual do mosteiro.

Abbot Goderfrey, que nasceu em Versalhes em 1970, juntou-se aos Trapistas há cerca de vinte anos. Fez a profissão solene em 2007 e foi ordenado sacerdote em 2011. Mas, como descobriu o correspondente do La Croix, Christophe Henning, o seu caminho até à vida monástica foi bastante singular.

 

Foi nomeado superior de Acey em Janeiro de 2020 e os monges elegeram-no como Abade a 25 de Março. E assim descobriu uma nova comunidade.

E continuo a fazê-lo! É uma bela comunidade, com raízes territoriais sólidas e com uma forte identidade do Franco-Condado. Modesta, sólida e frágil, nunca foi muito numerosa ou muito brilhante. Aqui não se faz queijo nem cerveja Trapista: desde a década de 1950 que a Abadia desenvolve uma actividade industrial de electrólise. É uma bela aventura humana, uma ferramenta eficiente que garante a nossa subsistência.

 

Uma técnica de última geração numa abadia de vários séculos...

A vida monástica implica um afastamento do mundo, mas é parte de uma era. Em Acey, a vaga pós-conciliar varreu muitos costumes "Trapistas" para abrir espaço para algo bastante autêntico, um pouco rude até. A simplicidade é a cor fundamental da nossa vida. Sem esquecer a dimensão fraterna que estamos no processo de redescobrir.

 

Então, nunca se acaba de ser irmão?

Este é o trabalho diário: amassar esta massa humana é aceitar que o encontro com o outro é o lugar da nossa conversão, porque não existe outro. Como podemos dizer "Eu amo a Deus”, se não começarmos por amar o nosso irmão que está ao nosso lado? (…) Unimo-nos para viver este encontro de graça, que aplana, ajusta e fertiliza as nossas humanidades, dia após dia.

 

A vida monástica impressionou-o desde jovem…

Quando tinha 15 anos estive em Lérins, uma magnífica Abadia da ilha de Saint-Honorat e grande atracção turística: no Verão, os jovens são contratados para servirem de “intermediários” entre a paz monástica e o barulho dos turistas e visitantes. Foi o meu primeiro contacto com a vida contemplativa: descobri os salmos e, sobretudo, as pessoas visivelmente felizes. A experiência demorou muito para ser reconhecida como uma proposta de vida: curtas estadias numa Abadia Cisterciense mantiveram a paciente incubação desse vírus.

 

Foi por isso que escolheu o exército?

Fui para a Academia Naval e escolhi a especialidade de comando da marinha, onde se concretizou a sede de aventura e um ideal, o serviço ao meu país, e a paz adquiriu forma. A experiência humana foi muito rica. No entanto, uma sede estava a crescer: os mergulhadores não são exactamente pessoas religiosas! Também experimentei as ambiguidades de um serviço de paz conseguido através de armas, que tantas vezes serve de base para futuros conflitos através da comunicação maniqueísta, mesmo cínica, sobre as "vítimas colaterais".

 

Como voltou a cruzar-se com o projecto monástico?

Foi o testemunho de Tibhirine que me deu um vislumbre de outra resposta para a minha procura. Nomeado como agente de intercâmbio nos Estados Unidos, saí com o endereço do mosteiro Spencer Trappist em Massachusetts, onde o Senhor estava à minha espera. Um monge depositou nas minhas mãos o livro do Abade General D. Bernardo Olivera, How Far to Follow?, que apresentava os irmãos mártires de Tibhirine. Descobri a fecundidade paradoxal dessa vida comunitária, escondida, que me atraiu quando permanecia por 24 ou 48 horas numa Abadia.

 

Como é que se deu a sua entrada na vida monástica?

Nos Estados Unidos soube que houve uma tentativa de voltar para Tibhirine: cinco irmãos viviam em Argel com essa esperança. E eu queria fazer parte disso! O primeiro passo foi o noviciado na Abadia de Aiguebelle: fui levado por um sentimento de urgência, mas creio que esta seja a causa de muitas vocações que nos afastam do nosso modo de vida. O resto da viagem foi menos simples: seis meses depois de voltar com a ideia de ir para Tibhirine, esse projecto parou e nunca cheguei a pôr os pés na Argélia...

 

Como é que se sentiu com essa mudança de rumo?

O fracasso perturba, confunde e aprofunda a verdade do desejo. (…) Fiz várias visitas a Midelt, em Marrocos, que é uma extensão da comunidade Tibhirine, e pude viver com os dois sobreviventes: o irmão Amédée, que entretanto já faleceu, era um homempascalque já tinha passado para o outro lado, e o Irmão Jean-Pierre, para quem o filme Of Gods and Men revelou sua vocação como última testemunha, que ainda hoje encarna.

 

Em vez da Argélia, foi para a Síria?

Em 2014, conheci um ex-noviço do mosteiro de Mar Moussa, norte de Damasco, fundado por Paolo Dall'Oglio, o jesuíta que está desaparecido desde 2013. Duas vezes pedi para ingressar nesta comunidade ecuménica em diálogo com o Islão. Duas vezes a minha comunidade recusou. Mas, no final de 2014, fui chamado para ser capelão das Trapistinas, em Azeir, na fronteira com o Líbano. Aceitei.

 

Como é que foi ser um monge nesse país em guerra?

Esse país, onde o convívio entre as religiões fora extraordinário, foi arruinado por uma guerra em grande parte importada. Quando as irmãs chegaram a Aleppo, em 2005, instalaram-se na zona alauita, numa colina, com uma aldeia cristã maronita de um lado e uma aldeia sunita do outro. Um ano depois, deram por elas na linha da frente e passaram horas à noite com um rosário nas mãos. Cheguei depois da batalha, embora a guerra ainda estivesse perto e a insegurança fosse palpável. O capelão é aquele que está ao serviço de uma comunidade sem fazer parte dela. Apesar do estado de guerra, do isolamento cultural e linguístico, durante três anos e meio tive a alegria de experimentar o que desejava: ser este pequeno grão de oração neste mar de sofrimento. No meu regresso, depois de vários meses na Abadia de Hauterive (Suíça), fui chamado para ser superior em Acey.

 

Isso afastou-o do diálogo com o Islão: é isto obediência? Deixar-se levar para onde o vento sopra?

O vento é alguém! Ter escutado o Islão foi algo que veio do Senhor, e este chamamento, tão concreto quanto inesperado, na região do Jura, também vem do Senhor. Se vier d’Ele, Ele saberá articular os dois... no Seu tempo.

 

Qual é o significado da vida monástica no mundo de hoje?

A fecundidade da vida monástica, da qual os nossos sete irmãos de Tibhirine são um exemplo brilhante, é mais uma questão de ser, do que de fazer. Quando ficamos nauseados num barco, geralmente é quando estamos no porão, porque não temos um horizonte. Com os choques da crise sanitária global, ecológica, económica e política, a nossa sociedade está cansada de não ter horizonte. A vida monástica, pela sua simples presença, abre uma brecha para o Outro, que é uma promessa, abre possibilidades para um horizonte de sentido. Essa é a experiência de quem vem ao mosteiro.

 

Entrevista de Christophe Henning, publicada no La Croix International a 15 de Maio de 2021.