Arquidiocese de Braga -

8 outubro 2021

Os eremitas existem

Fotografia DR

DACS com Vida Nueva Digital

Vida eremítica será regulada pelo Vaticano pela primeira vez.

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Eles são verdadeiros herdeiros dos pais e mães do deserto. O Catecismo da Igreja Católica recorda que “oculta aos olhos dos homens, a vida do eremita é pregação silenciosa d'Aquele a Quem entregou a sua vida. Cristo é tudo para ele. É uma vocação especial para encontrar no deserto, no próprio combate espiritual, a glória do Crucificado” (n. 921).

O Código de Direito Canónico caracteriza o eremita como aquele que, embora não faça publicamente os votos de pobreza, castidade e obediência, “por meio de um mais estrito apartamento do mundo, do silêncio na solidão, da oração assídua e da penitência, consagram a sua vida ao louvor de Deus e à salvação do mundo” (cân. 603). Com este quadro, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica procura traçar as linhas básicas deste estado de vida que mantém vivo o espírito dos anacoretas para abraçar os problemas do mundo na ascese, no retiro e na oração contemplativa.

Tanta é a actualidade que, em alguns dos lugares onde este modo de vida germinou na Espanha, chegou até a ter lista de espera. É o caso do Yermo Camaldulense de Nuestra Señora de Herrera, num lugar remoto do Parque Natural dos Montes Obarenes, em Burgos. O mosteiro foi confiscado por Mendizábal no século XIX, carmelitas e trapistas ocuparam-no até que, em 1921, uma congregação da Camáldula adquiriu-o.

Embora os processos vocacionais se tenham estabilizado e a comunidade tenha agora seis monges, vão festejar o centenário “com muita simplicidade”, destacam. A pandemia forçou o encerramento da pousada e os religiosos enfrentaram dificuldades económicas e restrições “fazendo mais vida de monges do que nunca, com maior solidão e silêncio, já que nenhum caminhante ou ciclista passava, nem saíam para fazer compras”.

O complexo possui doze casinhas. Cada Irmão tem na sua instalação quatro ambientes bem diferenciados nos quais passa a maior parte do dia: a cama, um quartinho para ler e escrever, o oratório e a casa de banho. Ao lado dos quartos há um jardim onde cada um cultiva verduras e legumes, já que a carne não aparece no cardápio da congregação. Os espaços comuns são uma sala para receber familiares e visitantes, o cemitério ou um lago onde se criam trutas.

O elemento diferenciador de outros eremitas é que depois do jantar há um encontro diário de toda a comunidade ou a realização de algumas tarefas comuns, como cuidar das colmeias. Sem televisão e sem internet, o mundo segue-os graças a meios como o Vida Nueva, que o prior recebe e cujas notícias mais marcantes partilha com os irmãos. Sem presença nas redes, a mudança geracional que vive o mosteiro – que estava prestes a encerrar há duas décadas – é providencial. Agora, planeiam restaurar as áreas mais deterioradas do edifício na Primavera.

Embora, neste sentido, um ponto determinante tenha sido a criação da Fraternidade de Leigos Camaldulenses, uma forma de transferir este carisma para – como eles próprios se definem – “serem contemplativos na vida quotidiana”. “Uma presença discreta e respeitosa”, apontam os monges, de homens e mulheres que fazem a escolha mais radical introduzindo nas suas vidas pequenos momentos de oração, meditação, leitura da Bíblia, silêncio e solidão. O grupo nasceu em 2008 e acompanha os irmãos em retiros e em ocasiões especiais.

 

Buscadores de Deus

No dia 22 de Outubro, o Irmão Abdón Rodríguez Hervás será ordenado sacerdote. Mesmo que há alguns anos estivesse para ir sozinho para um eremitério em Jaén e, como monge, também tivesse visto possibilidades de levar uma vida de retiro perto da comunidade de Vizcaya, onde está há alguns anos. No entanto, a Regra da Ordem Cisterciense da Estrita Observância, à qual pertence, prevê que o prior receba o sacramento da Ordem como forma concreta de serviço à comunidade.

É que Abdón foi eleito novo superior do Mosteiro de Santa María de las Escalonias, em Hornachuelos (Córdoba), depois que o anterior ter sido nomeado abade do mosteiro de Santa María la Real de la Oliva, em Navarra. Uma nova etapa, então, depois de passar pela pousada, pela loja, pela enfermaria, pelo pomar ou pela designação do mestre noviço que acompanha os jovens. No caso dos últimos três que chegaram a Las Escalonias, começaram a sua experiência graças às redes sociais do mosteiro.

A vida do irmão Abdón mudou em poucos meses, mas a ideia de realizar o seu “sonho e aspiração de viver uma vida de eremita não mudou”, embora tenha tido que adiá-la pelos seis anos que dura o seu mandato. A nova posição e enfrentar em poucos meses o processo de ordenação sacerdotal está a ser uma etapa intensa, até com momentos dolorosos. O sacerdócio, confessa, “era o único trabalho que restava fazer”, e veio de surpresa e sem procurá-lo, pois “quando se entra, o desejo é de ser monge e não outra coisa”…

A Igreja Católica vive um crescimento do número de eremitas em vários países que levará o Vaticano a publicar num futuro próximo um documento que, pela primeira vez, regula esta forma de vida consagrada que existe desde os primórdios do Cristianismo e que atrai cada vez mais pessoas.

Artigo de Mateo González Alonso, publicado no Vida Nueva Digital a 8 de Outubro de 2021.