Arquidiocese de Braga -

10 novembro 2021

Sinodalidade: vamos lá tentar mais uma vez.

Fotografia DR

DACS com La Croix International

Ainda há muita confusão e mal-entendidos sobre o termo “sinodalidade”, que na verdade foi cunhado pelo actual Papa.

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A palavra “sinodalidade” continua a repetir-se regularmente nos círculos católicos.

É uma palavra que nem existia há alguns anos. Foi cunhada pelo Papa Francisco para expressar... o quê?

Essa questão é alvo de muitos comentários. A minha contribuição para a discussão baseia-se nos anos que passei a facilitar vários sínodos e muitas outras reuniões semelhantes da Igreja. Claro que nenhum dicionário nos irá ajudar. A palavra é muito nova.

Por enquanto, a sinodalidade não tem definição. Precisamos de usar pistas linguísticas para descobrir exactamente o que Francisco está a tentar comunicar.

A definição terá que aguardar uma experiência deste novo tipo de realidade. Só iremos aprender as possibilidades que ela contém, bem como os seus limites, através da participação efectiva nela.

Uma definição implica estabelecer limites. Eles serão descobertos por tentativa e erro – da mesma forma que os sínodos canónicos acabaram por ser definidos ao longo dos séculos. Quando adicionamos um sufixo a um adjectivo como “sinodal”, geralmente estamos a indicar que a realidade para a qual estamos a apontar tem alguma semelhança com um sínodo canónico.

Por outro lado, significa que a mera convocação de um sínodo não garante que existirá sinodalidade. Caso contrário, Francisco não teria sido obrigado a cunhar o novo termo.

Isso deixa-nos com uma tarefa adicional: tentar descobrir quais são as características que tornam a sinodalidade como um sínodo, e o que a faz apontar para alguma coisa além de um sínodo.

 

Como um sínodo

No mínimo sabemos que o desenvolvimento deste novo fenómeno será algo positivo, algo a desejar. Caso contrário, o Papa não o divulgaria com tanta frequência.

Isso implica, além disso, que Francisco está a expressar a sua crença de que alcançar a sinodalidade é necessário para que a nossa Igreja responda efectivamente ao mundo contemporâneo.

No seu esforço para descrever algo que ainda não pode ser definido, Francisco usa uma imagem. A sinodalidade sugere um “caminhar com”. Essa imagem contém duas componentes. Não está a descrever uma realidade estática: há uma mudança a acontecer; movimento de um estado para outro. Algo novo está a nascer. E envolve mais de uma pessoa.

Não não podemos modelar a sinodalidade sozinhos. É um fenómeno “entre/no meio de”. Alcançar a sinodalidade exigirá novos comportamentos por parte dos seus participantes.

 

A sinodalidade envolve mudança estrutural

A característica mais evidente de um sínodo é a sua composição. Quem é convidado a participar e quem não é. Os sínodos são compostos por bispos e pelo clero ordenado, seja de uma diocese, de uma nação ou da Igreja universal.

Uma das características que diferenciam a experiência da sinodalidade da de um sínodo é a composição dos seus participantes.

Francisco deseja claramente que a resposta da Igreja a um mundo em rápida mudança esteja nas mãos de um espectro mais amplo de crentes para além do episcopado. No centro da sua reforma está a convicção de que os dons do Espírito Santo são derramados sobre toda a Igreja. A esse nível, a distinção baseada na ordenação torna-se irrelevante.

Essa é a mesma convicção que Paulo VI expressou na sua exortação apostólica Evangelii nuntiandi há 47 anos, quando mudou o foco do poder dos mestres para o das testemunhas. Chamou todos os crentes para testemunharem Cristo ao viverem o Evangelho.

A sinodalidade caracteriza um encontro que envolve activamente todos os católicos a esse nível.

 

Algo mais: transformação de atitudes fundamentais

Muitos dos comentários que descrevem o que há de novo na sinodalidade imaginada por Francisco focam-se numa mudança na estrutura: a participação e a responsabilidade pelas decisões envolverão mais do que os ordenados.

Apesar de outras características que possam eventualmente surgir à medida que a sinodalidade se tornar normativa, a base dos participantes incluirá leigos e clérigos. Será baseada na experiência partilhada dos baptizados, não simplesmente nas perspectivas limitadas dos ordenados.

O objectivo é a responsabilidade partilhada. Mas expandir a base de participantes de futuros sínodos, por mais extraordinário que seja, não parece abranger a transformação completa que Francisco está a procurar.

As estruturas são inertes, como odres vazios. Tudo depende de como são usados ​​e do que é derramado neles. E isso depende da qualidade da interacção por parte dos seus participantes.

A nomeação como membro não garante, por si só, um empoderamento partilhado.

 

Esperanças elevadas e depois frustradas

Exemplos de revisão estrutural que prometiam mudanças revolucionárias, mas que se revelaram mortos à nascença são facilmente encontrados. Grupos de pessoas anteriormente excluídas da participação em vários tipos de ambientes são finalmente admitidos. Pensemos nas mulheres, ou em pessoas de cor.

Expectativas de inclusão igual são levantadas. Então, os novos membros descobrem, para sua decepção, que continuam impotentes, apesar da sua nomeação. Eles aprendem que são simplesmente símbolos criados para polir a reputação da instituição. Eles estão nomeados na lista do grupo, mas permanecem impotentes.

Tudo depende de quem é a voz ouvida e levada a sério e, apesar da nomeação, a voz deles continua a ser excluída.

 

Padrões reaccionários são mantidos por todos

Nesse ponto, seria fácil cair na armadilha de atribuir toda a responsabilidade pelo fracasso das estruturas em alcançar o empoderamento que prometeram aos que estão actualmente no poder: o “clube dos velhos colegas”.

Na verdade, a experiência revela que os novos membros podem, de forma bastante inconsciente, contribuir para a sua própria impotência.

A seguinte experiência pessoal mostra isto: certa vez, facilitei a formação de um conselho pastoral diocesano recém-criado. O novo corpo era composto por um número igual de padres, ministros leigos da Igreja e paroquianos leigos. Havia muita expectativa no ar. Após um período de formação do grupo, o conselho foi chamado para decidir a futura política diocesana sobre um assunto que afectava todas as paróquias. Os prós e contras de todas as opções tinham sido amplamente discutidos. Era hora de testar as águas. Chamei membros individuais para declararem publicamente a sua posição sobre a questão. Expressaram uma variedade de respostas: altamente favorável a uma ou outra opção; perturbado, mas pronto para confiar num consenso claro; amplamente satisfeito com a forma como os pontos de vista de cada membro foram respeitados. Finalmente, falei com um tímido senhor que me disse: “Só quero ter a certeza que fazemos o que o Bispo quer…”. A decepção dos outros membros transpareceu em todos os rostos. Onde tinha estado o homem até ali?

Conto a história, não para atribuir culpas ao homem, mas para deixar claro que os padrões culturais – sejam os excludentes do passado ou aqueles que fortalecem a adopção de novas estruturas – são co-criados pela interacção de todos os participantes.

Ao usar o termo “sinodalidade”, Francisco parece estar a apontar além da mudança estrutural, para a adopção de uma nova mentalidade, uma espiritualidade que celebra e promove activamente a participação igualitária e o empoderamento.

Isso exigirá o desenraizamento de expectativas culturais de longa data, tanto por parte dos participantes leigos quanto dos seus bispos.

É claro pela frequência com que Francisco critica o mal do clericalismo que ele espera que o cultivo de uma espiritualidade sinodal acabe com essa aberração do Evangelho.

 

Roteiros culturais

Há poucos anos, tanto os ordenados quanto os seus membros leigos subiram ao palco com os respectivos roteiros escritos para eles pelas gerações anteriores.

O roteiro dos leigos dizia “O Padre sabe melhor” ou “Ore por mim, padre, já que tem uma linha directa com Deus”. O dos ordenados era: “Conhecemos a Escritura e a teologia; os leigos conhecem apenas o catecismo do oitavo ano” ou “Somos os protectores da fé deles; temos que zelar por eles”.

O conteúdo do desafio apresentado pelo desenvolvimento de uma espiritualidade sinodal será diferente para cada grupo. Os bispos serão desafiados a aprender e praticar uma nova forma de ouvir, como os membros leigos descrevem, não apenas as suas crenças ou teologia, mas a maneira como realmente experimentam a vida na Igreja de hoje. E isso incluirá inevitavelmente as percepções honestas dos leigos sobre o comportamento clerical.

Ouvir a esse nível requer uma nova forma de vulnerabilidade. E de confissão.

Membros leigos recentemente empoderados terão que desaprender roteiros desenvolvidos ao longo dos anos, quando permitiram que a prática aceite os reduzisse a recipientes passivos de tudo o que os clérigos decidiam ser bom para eles.

Passar de uma adesão passiva para uma assumir responsabilidades activamente envolve correr o risco de falar abertamente. A experiência pode ser solitária.

Ambos serão chamados a abraçar a nova experiência da confiança mútua.

 

Conclusão

A cultura que dividiu a Igreja entre os mestres e os ensinados demorou séculos a desenvolver-se; não será substituída de um dia para o outro por uma que valorize igualmente a experiência de cada membro.

O processo será gradual e custoso para todos. Afinal, a isso chama-se responsabilidade partilhada.

 

Artigo de George Wilson, SJ, publicado no La Croix International a 9 de Novembro de 2021.