Arquidiocese de Braga -
2 março 2022
Universidade Católica no oeste da Ucrânia abriga agora refugiados de guerra
DACS com Crux
O padre Andrii Shestak, director da Escola de Jornalismo e Comunicações da Universidade Católica Ucraniana, disse que os moradores se sentem como David a lutar contra Golias.
“Sentimos que esta é uma batalha de David e Golias”, disse o sacerdote. “E nós somos David. Estamos a testemunhar muitos milagres todos os dias. Já se passaram seis dias desde a invasão. E ainda estamos de pé. Kiev ainda está de pé. Kiev ainda é a capital de uma Ucrânia livre”, acrescentou.
A Universidade Católica Ucraniana está localizada na cidade ocidental de Lviv e actualmente abriga cerca de 150 estudantes que se tornaram refugiados, muitos dos quais têm as suas famílias a morar com eles.
Entre os que vivem com Shestak estão a sua esposa e o seu filho. Como é o caso de várias igrejas de rito oriental em comunhão com Roma, os padres greco-católicos ucranianos podem casar-se.
É a única universidade católica na antiga União Soviética: gostam de dizer que é a única universidade católica “entre a Polónia e o Japão”. Embora oficialmente estabelecida em 2002, é a herdeira da Academia Teológica de Lviv, criada em 1928, suprimida pela União Soviética em 1939 e restabelecida em 1994.
A universidade faz parte do renascimento da Igreja Greco-Católica após a queda da União Soviética, quando era a maior entidade religiosa ilegal do mundo. A maior das 22 igrejas orientais em comunhão com Roma tem mais de 3 milhões de fiéis na Ucrânia e cerca de 5,5 milhões em todo o mundo.
De bom humor apesar da situação, Shestak disse que em meados de Fevereiro, “com o bispo” – não disse o nome – estavam a brincar, “a dizer que era possível que as primeiras bombas lançadas pelo [presidente russo Vladimir] Putin” seriam a eles dirigidas, “porque este já foi o coração da propaganda ideológica da União Soviética e tornou-se o coração dos intelectuais católicos na Ucrânia”.
No final da década de 1980, a União Soviética começou a construir aqui “um enorme edifício para espalhar a sua propaganda por toda a parte oriental da união”. Após a queda do Muro de Berlim em 1989 e a independência da Ucrânia em 1991, a Igreja comprou o terreno para construir a universidade.
Questionado sobre o seu humor, Shstak disse: “Tenho que estar de bom humor: é minha responsabilidade tentar transmitir esperança às pessoas”. Isto aplica-se não apenas quando fala com os alunos, mas também quando faz as suas homilias durante uma missa transmitida via Facebook.
Dos que estão actualmente a refugiar-se na universidade, “todos estão a tentar fazer pelo menos alguma coisa”, disse. Além da oração matinal diária – “uma grande ajuda” – os estudantes têm recolhido roupas e alimentos que são enviados regularmente para a capital Kiev, actualmente sitiada pelas tropas russas.
“Estou a ouvir o nome do Senhor com muita frequência, mais do que nunca, mesmo nos média”, afirmou. “A Ucrânia é, em muitos aspectos, uma sociedade muito secularizada, cada vez mais nos últimos anos, com fé decrescente. Mas nos últimos cinco dias [desde a invasão russa], isso mudou drasticamente”, observou.
Segundo o padre – que tem alunas casadas com soldados ucranianos – “quem está a lutar sabe pelo que está a lutar”.
“Isto é uma questão de sobrevivência. Mas devo dizer que esta situação, algo incrivelmente mau, está a permitir-nos testemunhar muitos, muitos milagres diários”, explica.
E pelo que estão a lutar?
“Em primeiro lugar, o que queremos é paz. Até há cinco dias, a paz era literalmente o que todos os envolvidos nos combates queriam”, disse Shstak.
“Os ucranianos não querem apenas a paz, mas querem que o seu país continue a ser deles. Somos independentes há 30 anos, mas pela primeira vez desde a queda do Muro, nós, como povo, tomamos consciência do que significa ser um país real, sem a Rússia. Os ucranianos querem ter o seu próprio país, a sua própria cultura e um país que seja democrático, não autoritário”, indicou.
“Vemos aqui pessoas que realmente amam a sua pátria”, disse o padre. “É incrível ver isso. Temos muitos, muitos refugiados, praticamente todas as Igrejas se tornaram um refúgio, pois muitas têm abrigos subterrâneos e estão a distribuir comida e roupas às pessoas. E isso inclui os que falam russo. Eles também querem paz”, afirmou.
Shstak disse que, do ponto de vista “académico”, pode dizer que há muitas razões para a invasão da Rússia. Por exemplo, em 2014, Putin atacou a Crimeia e Donetsk após a Revolução da Dignidade, um protesto pró-democracia e pró-União Europeia que derrubou o governo do presidente ucraniano Victor Yanukovych, apoiado por Moscovo, em 2014, porque essas são regiões com grandes quantidades reservas de gás.
“Os ucranianos não podiam fazer nada naquela altura. Mas hoje? Não. Toda a Ucrânia está sob ataque, então isto não pode ser sobre o gás”, explicou.
No entanto, Shstak mencionou, quase de passagem, o facto de a mentalidade da Ucrânia ter mudado nestes anos, a favor da liberdade e da democracia, o que é uma ameaça para Putin e para aqueles na Rússia que apoiam a guerra, porque o regime autoritário “não permitiu que desenvolvessem uma consciência sobre questões como liberdade e direitos humanos”.
Acrescentou que a ideia de que a guerra é motivada por “alguém a querer um pedaço de terra” no século 21 é algo que simplesmente não pode acontecer.
O padre também disse que os ucranianos estão particularmente tristes pelo facto de a Rússia ter enviado “meninos muito jovens, que não têm nem 20 anos, como carne para canhão. Isto é simplesmente loucura, incompreensível.”
Em relação ao apelo do Papa Francisco para que a Quarta-feira de Cinzas seja um dia de oração e jejum pela paz na Ucrânia, o sacerdote disse que antes da guerra, “muitos eram cépticos”, sem perceberem porque é que ele estava a pedir orações, pois “parecia algo distante, insignificante”.
“Mas essa atitude também mudou aqui”, disse Shstak. “Setenta e dois países manifestaram o seu apoio à Ucrânia. Mas a força da oração? Podemos sentir isso em situações quotidianas. Um dos nossos capelães militares, que é meu amigo, disse-me que os soldados que estão com ele são extremamente corajosos, destemidos, encontram forças «não sei onde» para fazerem o que é preciso, ficam alerta mesmo sem dormir, encontrando coragem todos os dias para defender o seu país”.
Shstak também deixou uma mensagem aos jornalistas, incluindo aqueles que eram jornalistas formados pela Universidade Católica Ucraniana: “Devo sublinhar que o trabalho é um trabalho profético, pois estão a traduzir a verdade do que está a acontecer a todas as pessoas”.
“Estamos muito gratos a todos os colegas nos EUA, na América do Sul, na Europa, que estão a contar a realidade sobre a situação na Ucrânia: temos uma guerra”, disse.
“Esta emoção humana de solidariedade global que vivemos hoje só pode ser alimentada com o apoio dos esforços jornalísticos. Esperamos que esta atitude de dizer a verdade sobre o que está a acontecer aqui continue até que a guerra termine”, concluiu.
Artigo de Inés San Martín, publicado no Crux a 2 de Março de 2022.
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