Arquidiocese de Braga -

13 março 2023

Oradores da “Nova Ágora” criticam forma como se cuidam dos idosos e frágeis

Fotografia  Francisco de Assis

DM - Francisco de Assisd

A Nova Ágora prossegue na próxima sexta-feira, dia 17, às 21h, com o tema “Caminhos de Acolhimento”, onde o jornalista da RTP, António Mateus, o médico Tomás Bandeira e Vasco Malta, chefe de Missão OIM Portugal, são os oradores convidados; a moderação es

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O Auditório do Espaço Vita, em Braga, acolheu, na noite de sexta-feira, a primeira das conferências do 7.º Ciclo “Nova Ágora”, iniciativa da Pastoral da Cultura da Arquidiocese de Braga. Nesta primeira de três conferências, com o tema “Olhares sobre a ética do cuidado”, os oradores lançaram olhares muito críticos à forma como se cuidam dos mais frágeis e dos idosos em Portugal.  

O painel foi composto pela jornalista Maria Elisa Domingues; a médica especialista em cuidados paliativos, Isabel Galriça Neto; e pelo médico intensivista António Maia Gonçalves. 

“Falta de vergonha”, “vergonhoso” ou “um escândalo” foram apenas alguns termos utilizados pelos oradores para classificar a forma como Governo e oposição, nomeadamente os deputados.

Na sua intervenção, Maria Elisa Domingues, falou na sua experiência pessoal como cuidadora da mãe, citou vários pensadores, nomeadamente Santo Agostinho e Martin Heidegger, sobre a ética do cuidado, para dizer que “falar do ser humano sem falar de cuidado, não é falar de ser humano”.

A oradora admitiu que o desenvolvimento dos cuidados paliativos em Portugal melhorou bastante nos últimos anos. “Uma formidável ajuda para os doentes, para os cuidadores e familiares”. 

Ainda assim, considera que o programa nacional de cuidados paliativos, criado em 2004, “está longe de estar implementado. Continua a existir milhares de famílias que têm doentes ao seu cuidado”, sem ter quaisquer condições em mais para tal. “Não há camas suficientes, os internamentos são poucos e está muito mal distribuídos pelo país”.

Maria Elisa lembrou que, por essa razão, há pessoas que são obrigadas a levar os familiares doentes ou fragilizados para muito longe, para terem esses cuidados, o que muitas vezes, implica ausência na última etapa da vida.

Segundo a antiga profissional da RTP, o Estatuto do Cuidador em Portugal chegou tarde e “muito incompleto”, pelo que é inadiável fazer algo para o melhorar.

Lares legais explorados por gananciosos

A propósito de pessoas frágeis ou em situação vulnerável, independentemente da idade, Maria Elisa Domingues  recordou o caso do Lar de Idosos em Lourinhã, cujas más condições foram denunciadas pela SIC, e que acabou encerrado, levando outro à boleia.

“Porque é que só a comunicação social é que denuncia isto? Como podemos permitir que os nossos idosos sejam tratados dessa forma, serem vítimas de gananciosos?”, questionou.

A oradora perguntou ainda por onde anda a Segurança Social, a ministra e o seu secretário de Estado. “Como pode a Segurança Social deixar passar tamanho escândalo? Onde andam os inspetores? São poucos? É que estamos a falar de lares legais, não são clandestinos”, sublinhou, apontando ainda o dedo à oposição. “Quantas vezes os deputados falaram dos lares e da sua falta de condições? Qual é o partido político que encarou como prioridade política residências para idosos, dignas e acessíveis para todos”, voltou a questionar em tom crítico.

“Há um deserto muito grande: uma vergonha”

Por sua vez, Isabel Galriça Neto, além de abordar a ética do cuidado, também falou da “realidade dura” que ainda se vive no país, em relação aos cuidados. 

“Tenho  vergonha do Estatuto do Cuidador”, apontou aquela que é um dos rostos dos cuidados paliativos em Portugal.

A ex-deputada lembra que, nos cuidados paliativos, é preciso cuidar dos que se curam e dos que não curam. “Temos noção que há milhares de portugueses em condições de incurabilidade. E lamento que se pense que só acontece nos últimos anos de vida. Acontece em todas as idades. E ter necessidade de cuidados paliativos não significa ser doente terminal”, reforçou.

Aliás, a oradora lembrou as crianças doentes e que apenas 5 por cento têm os cuidados de que necessita.

Estando em Braga, Galriça Neto lembrou que a cidade “tem uma excelente  Faculdade de Medicina” e é preciso preparar os futuros profissionais, vincando a “necessidade de elevar o cuidado” e não só da cura.

A especialista considera que há muita gente em sofrimento “desnecessário” em Portugal. Há gente nos hospitais que não deveriam estar. Um hospital moderno tem que ter uma unidade de cuidados paliativos, dotados de recursos humanos qualificados”.

Tanto Maria Elisa como Isabel Galriça Neto criticaram o fim das PPP, por razões ideológicas.

Respeito e empatia e médico/doente   

Quanto ao médico António Maia Gonçalves, fez questão de homenagear os enfermeiros, recordando que, quando se trata de cuidados, os enfermeiros estão na primeira linha. Aliás, sugeriu que fosse um enfermeiro a estar na conferência “Olhares sobre a ética do cuidado”.

Na sua intervenção, o intensivista falou ainda do respeito que se deve prevalecer entre o médico e o doente, bem como da empatia que se cria, muitas vezes, entre o médico e a pessoa doente, capaz de fazer chorar o médico.

A importância de saber comunicar com o doente e com as famílias foi outro dos pontos abordados pelo especialista em medicina intensiva.

António Maia Gonçalves destacou o longo caminho em torno dos Cuidados Intensivos, sublinhando que os  Cuidados Intensivos são «um serviço que está ao serviço de todos os serviços». 

O cuidado com a “mãe Igreja, ferida”

O Arcebispo de Braga, D. José Cordeiro, encerrou a primeira conferência da Nova Ágora 2023, e, aproveitando o tema do debate “Olhar es sobre Ética do Cuidado”, fez um apelo aos cristãos que, como filhos, cuidem da “Mãe Igreja”, ferida, que passa por tempos duros e de provação.

Apoiado nos depoimentos do cónego Eduardo Duque, responsável pelo Departamento da Pastoral da Cultura e também pela organização das  conferências Nova Ágora, o Arcebispo de Braga garante que ele e as pessoas que assistiram ao debate sairam do Espaço Vita mais atento aos outros, aos rostos do próximo.

D. José Cordeiro agradeceu aos oradores, lembrou a importância desde ciclo de conferências que não trata apenas questões relacionadas com a Igreja, mas sim questões transversais e universais à humanidade. E, em jeito de apelo, pediu. “Há uma igreja ferida e fragilizada. Como filhos, cuidai da mãe Igreja”, reforçou.

“Que o cuidado com os outros torne a nossa vida mais bela”

Coube ao cónego Eduardo Duque a missão de dar as boas-vindas aos oradores e assistência, bem como uma nota de abertura e os agradecimentos.

Nessa intervenção, o promotor das conferências recordou que, acima de tudo, a Nova Ágora visa o encontro entre crentes e não crentes, pelo que os temas que são tratados não são propriamente temas internos à Igreja, mas temas que visam o bem de todos nós, independente do credo, da raça, da língua, da educação, da proveniência. 

“O que aqui se deseja é criarmos uma plataforma de entendimento, redes abertas, capazes de suplantar os individualismos e forjar entendimentos comuns para o bem social”, referiu.

O sacerdote reconhece que os valores que o cristianismo anuncia já não determinam, como antigamente, a “cultura dominante”.  “Mas isso em si não é mau. Não queremos uma Igreja que imponha o seu olhar sobre a vida ou que constranja a vida das pessoas. Bem pelo contrário, acreditamos numa Igreja que caminha ao lado das pessoas e que as ajuda nos seus processos, nos seus problemas; que as ajuda a enfrentar criticamente a cultura atual e a abrir-se aos outros”, apontou.

Por fim, formulou um desejo em relação à noite. “Uma noite que nos desperte para a beleza e importância do cuidado, para não embrutecermos o nosso olhar, as nossas mãos, as nossas palavras, mas, pelo contrário, que o cuidado com os outros torne a nossa vida mais bela, mais sensível e sinal de que somos vasos de barro e, por isso, o apelo seria não deixarmos obscurecer a importância do cuidado”.

Em jeito de gratidão, o cónego Eduardo Duque agradeceu aos membros da Pastoral da Cultura, os professores Acílio Rocha, Costa Santos, Fernanda Agostinha Costa, Machado dos Santos, Manuela Almendra, Maria Altina Ramos e Paulo Mourão – a perseverança neste caminho, que conta já com 15 anos de trabalho em conjunto, desde a criação do Fórum Interdisciplinar de Professores, passando, mais tarde, para a Pastoral da Cultura. 

O sacerdote agradeceu também ao empenho do Departamento de Comunicação da Arquidiocese de Braga; e ao Colégio João Paulo II que aceitou patrocinar a iniciativa, que prossegue no dia 17, também no Espaço Vita, às 21h.