Arquidiocese de Braga -

5 maio 2024

Opinião

A provocação de Argivai nos 60 anos da Lumen Gentium

1 – Argivai é uma paróquia da Póvoa de Varzim, com pouco mais de dois milhares de habitantes, de origem romana, cujo território abrangeu outrora todo o território onde assenta a cidade poveira. No passado dia 26 de março, esta comunidade promoveu uma homenagem a três (ainda) jovens sacerdotes naturais desta paróquia, que têm vindo a desempenhar relevantes missões na Arquidiocese de Braga. O padre Marcelino Ferreira, pároco em Ferreiros, Sequeira e Vilaça, no Arciprestado de Braga; o padre Paulo Terroso, diretor do Departamento de Comunicação Social da Arquidiocese e reitor da Basílica dos Congregados; e o padre Rúben Cruz, diretor do Departamento Arquidiocesano da Pastoral de Jovens e pároco de S. José de S. Lázaro, também no arciprestado de Braga, foram distinguidos com a Medalha de Mérito de Argivai[1].

2 – A proveniência de três vocações sacerdotais da mesma comunidade paroquial afirma-se, nos nossos dias, como motivo de regozijo para uma Igreja que tem vindo progressivamente a ver-se desprovida da vitalidade exibida em outros tempos. Como referia o Papa Bento XVI, é a “qualidade e a riqueza do testemunho pessoal e comunitário” o principal responsável para suscitar nova vocações sacerdotais e religiosas na Igreja[2]. A abundância de vocações sacerdotais numa comunidade de modestas dimensões não deixa de se constituir como uma provocação, mesmo no contexto da diocese com o mais elevado número de sacerdotes em Portugal. A escassez de vocações sacerdotais é um problema que vem afetando a Igreja na Europa, particularmente as dioceses portuguesas, onde a estatística indica uma perda de meia centena de sacerdotes por ano[3].

3 – A questão da escassez de vocações sacerdotais deve, efetivamente, constituir-se como um questionamento sobre a qualidade do testemunho que tem vindo a ser realizado pelos membros do presbitério, mas também sobre a formação e acompanhamento que tem vindo a ser oferecido nos seminários[4]. Apesar do imperativo de fidelidade e atualização que deve constantemente inquietar a Igreja, esta situação não tem que ser encarada com prostração ou pessimismo. A sinodalidade como um “novo modo de sermos Igreja”[5], afirma-se como a resposta mais contundente ao decréscimo no presbitério dos países desenvolvidos. Uma comunidade onde todos podem participar da missão, concretizando o chamamento individual a um papel mais ativo no seio de uma Igreja desclericalizada, é a concretização do aggiornamento proposto pelo Concílio Vaticano II

4 – A 12 de abril de 1964, o Papa Paulo VI instituiu e celebrou pela primeira vez o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, embora dirigido particularmente às vocações sacerdotais e consagradas. Indo de encontro à visão inaugurada pelo Concílio Vaticano II, progressivamente, a Igreja foi atualizando o seu entendimento sobre a Semana de Oração pelas Vocações, que culmina oficialmente no Domingo do Bom Pastor. A vocação não é apenas um tema dirigido àqueles que sentem o apelo do sacerdócio ou da vida consagrada, mas, sim, a todos aqueles “que, em diferentes campos e de vários modos, se empenham por construir um mundo mais justo, uma economia mais solidária, uma política mais equitativa, uma sociedade mais humana, isto é, em todos os homens e mulheres de boa vontade que se dedicam ao bem comum”[6]. A Igreja vai-se encaminhando, desta forma, para uma das ideias fundamentais emanadas pelo Concílio Vaticano II, vertida na constituição dogmática Lumen Gentium, que afirma a vocação universal à santidade[7].

5 – No próximo mês de novembro, vamos assinalar o 60.º aniversário da promulgação da Constituição dogmática Lumen Gentium, que foi indubitavelmente o texto mais inovador e provocador do Concílio Vaticano II. A santidade deixou de ser entendida pela Igreja como um exclusivo de sacerdotes ou religiosos, mas passou a estar acessível a qualquer cristã ou cristão que responda com generosidade ao chamamento de Jesus Cristo, seja ele como consagrado, sacerdote, leigo, casado ou noutro estado de vida. A Igreja volta a ser entendida como “ekklesia”, ou seja, a assembleia de todos que foram convocados para uma “communio sanctorum”. Todos e não apenas o clero. Trata-se de um documento que revolucionou toda a Eclesiologia e que continua a suscitar contradições em muitos setores da Igreja.

6 – Ainda imersos num processo sinodal, esperamos que, neste ano em que assinalamos o 60.º aniversário da Lumen Gentium, possa constituir-se uma oportunidade para a Igreja realizar a releitura deste documento conciliar, refletindo sobre a verdadeira redefinição do conceito de vocação e como esta nos pode ajudar a refundar as comunidades cristãs e a nossa própria experiência eclesial.