Arquidiocese de Braga -

28 agosto 2024

Sé, casa dos peregrinos eucarísticos

Fotografia

Homilia de D. José Cordeiro pelos 935 anos da dedicação da Sé de Braga, 28 de agosto de 2024

1.Casa de silêncio

A Catedral ou Sé é a casa da Igreja. Sim, «a casa, onde é possível encontrar Deus nos gestos. A casa, onde se fala ao coração. A casa, onde a vida nasce, é protegida e cresce em idade, em sabedoria e em graça. A casa, que dá lições de vida, de coisas verdadeiras. A nossa casa, onde cada vida pode renovar-se. E onde, na respiração dos vivos, respira o Senhor da Vida» (E. Ronchi).

Qualquer igreja, especialmente a nossa milenar Sé deve ser um lugar onde as pessoas atinjam no silêncio e na oração, a paz do coração e a luz da fé. Esta é uma casa de portas abertas, onde a beleza da arquitetura e das artes convida à adoração silenciosa. Recordemos, por exemplo, o ritual bracarense da abertura das portas da nossa igreja Catedral no Domingo de Ramos na Paixão do Senhor.

Por isso, a Sé é monumento vivo da Igreja que crê, espera e ama, que integra o culto, a catequese, a caridade, a cultura em cada época cultural, a música, o canto, a cidade e a humanidade dos pequenos e dos grandes. 

Neste nosso mundo tão ruidoso, as igrejas devem ser lugares de silêncio, para o encontro com a presença silenciosa de Deus. É verdade que a visita em crescendo dos turistas pode não ser de grande ajuda, mas temos de zelar pelo silêncio de recolhimento antes do início das celebrações litúrgicas, especialmente da Eucaristia; o silêncio durante o rito que permite viver plenamente a ação para participar ativamente; o silêncio após a celebração que favorece a comunhão.

A Igreja católica, isto é, universal, no dizer do grande teólogo Henri du Lubac: «quer que os seus membros sejam abertos a todos, porém a Igreja é perfeitamente si mesma só quando se recolhe na intimidade da sua vida interior e no silêncio da adoração. Humilde e majestosa». A Igreja é divino-humana, santa e pecadora, visível e invisível, histórica e escatológica.

A nossa Sé foi dedicada a Deus sob a maternidade da Virgem Santa Maria de Braga. «Pela Senhora do Leite da Sé de Braga, contudo, guardo cá uma simpatia. Braga tem assim nomes lindos de Santos a dar poesia aos velhos lugares. É a Senhora do leite, a Senhora-a-Branca, o Bom Jesus» (Maria Ondina Braga). 

Santa Maria é um grande mistério de silêncio, conduzindo-nos à Eucaristia que é «Deus que age no silêncio» (Santo Inácio de Antioquia). Santa Maria de Braga é igualmente o modelo da evangelização, isto é, levar Jesus a todos.

2. A glória de Deus é o homem vivo

O Evangelho de Lucas apresenta o episódio chamado Zaqueu, que relata a salvação de um rico. Jesus aceita a hospitalidade de Zaqueu e oferece-lhe o precioso dom: «Hoje entrou a salvação nesta casa, porque Zaqueu também é filho de Abraão». Jesus comunica o amor gratuito ao pecador Zaqueu. Este converte-se e abre o seu coração e as suas mãos a Deus e aos outros. Quando se encontra o Amor e se descobre que se é amado, é que alguém se torna capaz de encontrar os outros.

Jesus Cristo é o evangelizador de todos, pobres e ricos, mas os pobres são a sua preferência: «...procurar e salvar o que estava perdido». Como bem enunciou, Santo Ireneu: «A glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus». 

A conversão na vida não é fuga da vida. Zaqueu não precisou de deixar tudo e seguir atrás de Jesus, mas continuar com um coração novo a comprometer-se com a família e com as suas obrigações. A história da humanidade, no seio da história da salvação, é uma história de tropeços e obstáculos pelos caminhos da vida. Todavia, a fé garante-nos a certeza da felicidade prometida. 

3. Juntos, peregrinos de esperança, no caminho de Páscoa

Zaqueu é um companheiro no nosso caminho de Páscoa. O jovem Daniel Faria escreveu: «a árvore foi a forma de te ver/e desci para abrir a casa. De me teres visitado e avistado/entre os ramos/fizeste-me passagem/da folha ao voo do pássaro/do sol à doçura do fruto. Para me encontrares me deste/a pequenez».

Da igreja Catedral poderá dizer-se que é o lugar do “canto do silêncio” e até “o sacramento do silêncio”, como que diz da música uma bela expressão de M. Zundel: «A música nasce do silêncio e conduz ao silêncio. Nasce do silêncio interior do artista e conduz ao silêncio interior o ouvinte. A música é o canto do silêncio. Os sons e toda a arquitetura melódica são os veículos deste silêncio criador que o artista escuta e que toca para que também nós o escutemos. A música é o sacramento do silêncio (o sinal que o torna sensível e o comunica)». 

Hoje, «o problema não é demonstrar que Deus existe. O decisivo é descobrir o mistério de Deus no mundo e na nossa vida. (...) a nova evangelização é antes de tudo uma escola de oração» (W. Kasper). A oração litúrgica, que é a voz da esposa ao Esposo, sublinha que na Liturgia, nomeadamente na celebração da Eucaristia, o mais importante é louvar a Deus. A vida espiritual cristã é esta íntima união do ser humano com Deus. 

O nosso itinerário pastoral “Juntos no caminho de Páscoa. Levar Jesus a todos e todos a Jesus” sublinha, neste ano da feliz realização do V Congresso Eucarístico Nacional e da preparação para o Jubileu 2025, dois trilhos: conversão ao Evangelho e oração e vida espiritual.

Renovar – levar Jesus a todos, eis o desafio para juntos prosseguirmos na jornada pastoral a realizar nos dias 19 e 20 de outubro no auditório Vita, aberto a todos os membros efetivos e afetivos das comunidades cristãs.

Arder e iluminar é a inspiração que recebemos do grande arcebispo bracarense São Bartolomeu dos Mártires, para incendiar os corações para Jesus. Certamente, só com corações ardentes, os pés se põem ao caminho. 

A conversão começa por mim, por ti. Sair, evangelizar e discipular são verbos ativos no nosso caminho arquidiocesano de Páscoa. De uma Igreja de cristandade a uma Igreja em missão.

 

+ José Manuel Cordeiro